Publicado em 17/12/15 | Atualizado em 21/12/15

“Quero a música do oprimido”, afirma DJ Mukambo de Bruxelas

DJ, jornalista, e radialista belga fala sobre sua pesquisa musical em world music


 “Gosto dessa mistura de música regional com uma música globalizada”

Não é apenas no Brasil que grandes meios de comunicação dominam a programação jornalística e de entretenimento. Na Europa, essa também é uma realidade. A maior parte das rádios do velho continente massifica conteúdos musicais, baseados no pop-rock, sem desvelar a música global, ou o world music, de povos difundidos numa grande teia multicultural. Nas programações europeias de música, a voz da periferia do mundo pouco ecoa.

Queria a música do oprimido, porque nós europeus sempre fomos os opressores 

Para falar sobre o tema, o Moozyca entrevistou o jornalista e pesquisador musical belga, Benjamin Tollet. Muito além de um comunicador tradicional, o cidadão de Bruxelas usa diversos canais para difundir a “música dos oprimidos”, como ele mesmo define. Além de ter colaborado como jornalista musical com revistas e jornais belgas, franceses e holandeses por dez anos, Benjamin também é DJ (conhecido como DJ Mukambo) e organiza a festa Groovalicious, em Bruxelas.

O fruto de sua pesquisa em world music é difundido na Rádio Mukambo, que leva o groove global para a Europa. Veja a entrevista completa abaixo:

Você é radialista, jornalista, DJ... Qual é o seu propósito em torno da música?

Sempre escutei muita música durante a adolescência. Comecei com metal, depois passei a ouvir hip hop e reggae. Só depois tive uma proposta jornalística, de falar sobre músicos que tinham coisas novas para dizer. Queria a música do oprimido, porque nós europeus sempre fomos os opressores. Procurei músicos da África, Ásia e de países árabes e da América do Sul, que falavam sobre sua cultura e luta por direitos iguais. Assim, comecei a me interessara pela música global.

“Radio Mukambo é o asilo para aqueles que querem fugir da ditadura do pop, rock e eletrônico”Você criou e apresenta a Rádio Mukambo e a considera uma espécie de asilo para quem quer fugir do pop music e rock...

Como jornalista, escrevia para jornais e revistas, mas precisava de algo que fosse feito em áudio. Na Bélgica, não existe world music na rádio, como coisas do Brasil ou de países árabes e africanos. As rádios de lá só tocam músicas comerciais, principalmente pop e rock. Há também aquelas rádios especializadas em música clássica ou tradicional, mas nada de world music. E a minha busca era pelo groove, como o afrobeat ou o manguebeat e toda mistura brasileira de hip hop, reggae e funk, com música regional e afrogrooves do mundo. Comecei há 5 anos na Groovalizacion.com, que traz programas do mundo todo, e eu fazia o meu programa lá. Desde então passei a divulgar meu trabalho em várias rádios do mundo.

Gosto dessa mistura de música regional com uma música globalizada, sempre com uma mensagem politica, que ajuda as pessoas abrirem os olhos contra o sistema opressor

E de onde saiu o nome Rádio Mukambo?

O mocambo, ou quilombo, era um refúgio na floresta para escravos libertos no Brasil colonial. Radio Mukambo é o asilo para aqueles que querem fugir da ditadura do pop, rock e eletrônico, um lugar onde você vai encontrar grooves de todo o mundo.

Você já disse que Chico Science é sua "maior" referência de música brasileira. O que chama a sua atenção no manguebeat de Pernambuco?

Eu falo manguebeat de forma geral. Sei que o que era manguebeat dos anos 1990 já não existe mais. Mas me refiro à mistura do regional com o global, como fazia Chico Science. E muitos músicos continuam fazendo isso.

E quais outras referências te influenciam no Brasil?

Tudo relacionado ao afrogroove. No mundo, pesquiso muito o afrobeat. Aqui no Brasil, é o manguebeat, de forma mais ampla como essa mistura que é feita até hoje. Gosto dessa mistura de música regional com uma música globalizada, sempre com uma mensagem politica, que ajuda as pessoas abrirem os olhos contra o sistema opressor. Não vou muito para o lado do tropicalismo, porque isso já foi. Meu trabalho na Rádio Mukambo é falar de artistas que estão fazendo coisas novas hoje. Um exemplo é o Abayomy Afrobeat Orquestra, do Rio de Janeiro, que mistura afrobeat com influências da musica afro-brasileira e do terreiro, para mim é a melhor banda de afrobeat brasileira. Outro exemplo é o Bixiga 70, que não é bem um som afrobeat, mas afro-brasileiro com influências fortes latinas. Outro caso é o Zebrabeat, que mistura afrobeat com o carimbó da Amazônia. Também gosto quando o hip hop é misturado com a música étnica, como candomblé, capoeira, etc. O Gaspar ZAfrica Brasil, de São Paulo, é um exemplo disso. O seu disco Rapsicodélico é um dos melhores dos últimos anos. Também gosto muito do DJ Tudo, Chico Coreia, de João Pessoa, e também o FurmigaDub, que une raggamuffin, rabeca e dubstep.

Você conhece bem Brasil, Portugal e a língua portuguesa. Qual a sua relação com a música brasileira/lusófona?

Tudo começou com a bossa nova, sobretudo, Vinicius de Moraes, que meu pai escutava e gostava lá na Bélgica. Hoje em dia, não tenho nenhuma relação com bossa nova, mas serviu para eu conhecer a música brasileira. Primeiro, aprendi espanhol, depois, em 2007, fiz uma viagem de Foz do Iguaçu a São Luis do Maranhão, sempre procurando músicas com raízes africanas. No Nordeste, encontrei no manguebeat uma mistura muito rica de maracatu com coco e embolada também. Isso misturado com influências do eletrônico e do hip hop. Posso dizer que gosto de toda música lusófona, menos a portuguesa, que é aquela mais tradicional e europeia. Mas curto coisas do Brasil, de Angola, Cabo Verde, Moçambique e Guiné-Bissau.

Groovalicious em Bruxelas, na BélgicaVocê faz a Groovalicious, em Bruxelas. Qual a diferença de fazer rádio e atuar como DJ? 

A rádio é a base do meu trabalho como DJ. Na rádio, tento abrir espaço para grooves de todo o mundo, deixando entrar a herança dos escravos em diversos países. Esse conjunto de trabalhos é selecionado para as pistas, para um clima de festa.

Como você avalia a noite musical brasileira no momento?

Sobretudo, no Rio de Janeiro e em são Paulo, tem uma separação grande entre as festas. Deveria ter uma união maior, para ouvir uma música mais profunda, com base em uma pesquisa musical, fruto do trabalho DJs e pesquisadores. Outro problema é que os donos das casas [de show] querem ficar com todo o lucro, o que atrapalha no andamento da festa, porque não compartilham a grana com as pessoas que fazem música. Na Bélgica, por exemplo, você pode fazer um negócio que eles [donos das casas] ficam com o bar e você fica com toda a entrada, o que significa que se pode pagar bem os DJs, tornando a festa mais legal. Isso não existe no Rio. 

Qual a sua expectativa para a festa Moodz, dividindo a noite com os DJs Tahira e Brunó?

Estou muito feliz por tocar novamente com Tahira. Gosto muito da seleção musical dele. Já toquei em festa de afrobeat com ele, mas sei que o seu trabalho vai muito além disso, é muito grande. Vai ser uma surpresa tocar com o DJ Brunó, ainda não tive a oportunidade de conhecer o trabalho dele. Da minha parte, vou tocar afrobeat e música afro-brasileira. Coisa que não se ouve nas festas em São Paulo, predominantemente de pesquisas feitas no Nordeste. E vou deixar espaço aberto para entrarem as minhas influências...

Mais infos sobre Mukambo:

www.mukambo.be
www.facebook.com/DJ.Mukambo
www.mixcloud.com/Mukambo


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